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quarta-feira, 7 de março de 2018

Instituto do Joint Employment e a Terceirização no Ordenamento Brasileiro


José Eduardo de Resende Chaves Júnior[1]

A reforma trabalhista vem de permitir a terceirização das atividades principais da empresa. Independentemente do debate sobre a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, parece útil trazer para ordenamento trabalhista brasileiro o instituto do joint employment, sacramentado na jurisprudência norte-americana deste a década de 40 do século passado, como vem divulgando o Professor Cássio Casagrande. Como se sabe, a integração analógica do sistema brasileiro de regulação do trabalho pelo direito comparado está expressamente autorizada pelo artigo 8° da CLT.
Joint Employment é uma doutrina construída pela jurisprudência trabalhista dos Estados Unidos, que prevê a existência de um contrato de trabalho compartilhado, quando o trabalhador desempenha uma função que, simultaneamente, beneficia duas ou mais empresas.
Em geral, a teoria do joint employment é concebida em três situações:
(i) quando existe um acordo entre empresas para compartilhar os serviços do empregado (Slover v. Wathen, 140 F. 2d 258 - C.A. 4; Mitchell v. Bowman, 131 F. Supp.);
(ii) quando uma empresa atua direta ou indiretamente no interesse de outra ou outras empresas em relação ao trabalhador (Greenberg versusArsenal Building Corp., et al., 144 F. 2d 292 - C.A. 2).
(iii) quando as empresas não estão completamente desassociadas em relação ao emprego de um empregado em particular e podem ser consideradas como compartilhando o controle do empregado, direta ou indiretamente (Dolan v. Day & Zimmerman, Inc., et al.,65 F. Supp. 923 - D. Mass. 1946).
(Cfr. US Code of Federal Regulation, 29 - Labor: §791.2 Disponível em https://www.law.cornell.edu/cfr/text/29/791.2 )
Essa teoria parece perfeitamente compatível com a dogmática brasileira. O trabalhador que exerce habitualmente função inserida nas atividades essenciais do tomador final de seus serviços e, nessa condição, sujeito a supervisão, direção ou regramento operacionais estabelecidos pela res productiva, para além das ordens executivas emanadas do empregador putativo, tem direito ao status jurídico do vínculo empregatício compartilhado entre as empresas que se beneficiam conjuntamente de seu trabalho, independentemente da ilicitude ou não da terceirização.
Por um lado, o princípio constitucional da isonomia impõe o tratamento igualitário a todos aqueles que se encontrem numa mesma situação fática de trabalho, o que nos conduz à extensão das condições jurídicas de trabalho dos empregados da tomadora aos empregados da empresa prestadora de serviços.
Por outro, o princípio da norma mais favorável ao empregado, induz, da mesma forma, a extensão, por conglobamento, dos direitos trabalhistas aos terceirizados.
Nesse sentido, o outsourcing é concebido e observado juridicamente, como mera ferramenta de gestão.  A nova organização produtiva irradia-se por meio de um processo aparentemente paradoxal, de concomitante expansão e fragmentação, ou seja, com incorporação de campos econômicos adjacentes, mas com incremento da especialização operativa.
Tal prática induz, na esfera do direito, uma forma especial de contrato-realidade, de maneira a suscitar a vinculação jurídica empregatícia compartilhada, que congloba o status jurídico mais benéfico ao trabalhador.
Nesse novo ambiente de produção, mais estendido e especializado, cabe ao trabalhador, ali inserido habitualmente, apenas colaborar para não embaraçar o fluxo produtivo. Essa nova organização do trabalho imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores, que prescinde, em muitos casos, do sistema clássico de disciplina (FOUCAULT) individualizada, privilegiando o controle (DELEUZE) coletivizado e estatístico dos trabalhadores. Perde espaço a singularização hierárquica.
Em certa medida, desloca-se a concorrência da esfera do capital para o ambiente de trabalho, porquanto a própria equipe se encarrega de cobrar, uns dos outros, o aumento da produtividade do grupo. Processa-se uma espécie de sub-rogação do comando empregatício, que passa a ter um viés muito mais horizontal e reticular, constituindo uma forma latente de subordinação, que se projeta muito mais como potência do que ato.
A ideia do vínculo de emprego compartilhado aperfeiçoa-se independentemente da declaração de desconstituição formal do contrato de trabalho e incide apenas no campo trabalhista, sem afetação necessária nas esferas civil, empresarial, administrativa ou mesmo previdenciária. Similar e correlato à figura do grupo econômico trabalhista, o instituto do joint employment tem inflexões restritas e internas ao âmbito da autonomia científica e jurídica do Direito do Trabalho.
A doutrina do joint employment é um concerto jurídico que, a par de garantir o (i)exercício da livre iniciativa, a (ii)flexibilidade de gestão e o (iii)foco empresarial nas atividades mais estratégicas, não se descura dos preceitos constitucionais de isonomia, de proteção ao trabalho humano e de progressividade social.

Publicado originalmente no Valor Econômico:  http://www.valor.com.br/legislacao/5243201/terceirizacao-e-o-

[1] José Eduardo de Resende Chaves Júnior, é Doutor em Direitos Fundamentais, Professor Adjunto do IEC-PUCMINAS  e Desembargador do TRT-MG

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