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José
Eduardo de Resende Chaves Júnior2
A
'fundamentação das decisões' e a 'aprovação em concurso público
de provas e títulos' são os dois pilares da legitimação técnica
do juiz na sociedade. O juiz democrático não pode ser um decisor
arbitrário dos direitos dos cidadãos. A fundamentação é uma
espécie de prestação de contas ad
hoc do
juiz do poder que lhe foi conferido pela Constituição. Por
isso mesmo, a afirmação de que as sentenças devem ser
fundamentadas consiste num colossal truísmo.
Sobre
a abordagem do Novo CPC em relação à fundamentação, pedimos
licença para alguns rápidos e despretensiosos apontamentos.
Iniciamos observando que a fundamentação
pode
e deve ser perfeitamente examinada à luz da teoria retórica,
pois ela também visa à adesão do
auditório. Mas na fundamentação,
a despeito de lançarmos mão de técnicas argumentativas, já que
ela se realiza também pela e na linguagem, a sua finalidade não é
a de persuasão,
senão a de convicção, tomando
de PERELMAN essa distinção entre persuadir
e convencer, que,
por sua vez, é tomada de KANT, mas em nova acepção.
Para
PERELMAN o discurso da persuasão dirige-se
a um auditório particular; o da convicção ao
auditório universal. Nesse sentido, embora a noção de
auditório seja dinâmica e sujeita à estratégia do orador, é
razoável afirmar, em linhas gerais, que a intenção precípua das
partes no processo é persuadir o
juiz, ou seja, as partes se dirigem, pois, ao 'auditório
particular'
«Estado-juiz». Já o juiz pretende, em geral, convencer,
dirigindo-se ao 'auditório
universal',
já que sua sentença, para ter plena eficácia, não carece
propriamente da adesão
das
partes, senão de um tipo de adesão
mais
abrangente. O melhor campo para a atuação persuasiva do juiz é na
conciliação, não na decisão.
É
importante esclarecer que, quanto à convicção
do juiz, não visa tampouco a um auditório universal
absoluto, mesmo porque a sentença do juiz nacional é dirigida ao
caso concreto e a uma sociedade determinada. Mas se considerarmos, de
um lado, o imperativo que decorre do fato de que a decisão não se
resuma à convicção solipsa do juiz e, de outro, que não deva ela
se subordinar aos sujeitos interessados do processo, impõe-se pelo
menos a idéia de dirigir-se ao melhor auditório
possível, mais racional, menos interessado e parcial e mais amplo,
auditório que é desafiado a proceder à adequação de uma questão
ideal e abrangente de direito, segundo as circunstâncias concretas
do caso.
A
partir dessa distinção feita pelo grande pensador polaco radicado
na Bélgica, que tirou do limbo a retórica aristotélica, creio,
podemos sustentar que, na enunciação de sua convicção,
o
juiz não está atrelado ao jogo linguístico e ao palavrório
da persuasão retórica –
processo que é livre e multitudinário. O Juiz, ao enunciar
sua convicção,
ou seja, ao fundamentar sua decisão, deve, sem dúvida, responder de
forma clara, precisa e fundamentada a todas as questões (de
fato e de direito) trazidas argumentativamente ao processo, o que não
significa que esteja ele jungido ao labirinto comunicacional das
partes.
Nesse
sentido, não andou bem o Novo CPC ao impor regras de argumentação
para a fundamentação da decisão. Nem HABERMAS, o pai da ética do
discurso, chegou a tanto. O filósofo alemão, ao refutar a tese de
ALEXY de que o discurso jurídico é um caso especial do discurso
moral, esclarece que refoge ao âmbito da legislação processual
regulamentar a argumentação jurídica enquanto tal, mas apenas
assegurar espaços institucionalizados para ocorrência dos discursos
de aplicação do direito, ou seja, a fundamentação da decisão é
aferida em função de seu resultado, não em função de seu
procedimento retórico-argumentativo.(Capítulo V, item 4 de Direito
e democracia: entre facticidade e validade, Vol
I).
Não
é próprio que a legislação processual se dirija a regrar a
argumentação, até porque o argumento, por natureza, não é
passível de sofrer contraposição lógica, pois ele é, em última
instância, como preleciona FIORIN apenas um simulacro – ainda
quando apresentado sob a roupagem de um silogismo – isto é, o
argumento é uma imagem que se cria linguisticamente para persuadir
o auditório.
Em termos figurativos, a narração argumentativa é muito mais uma
encenação do que uma confraternização dialógica.
Além
disso, o argumento, como expressão da linguagem, não é tampouco a
produção de um ato unilateral de comunicação que um emissor
envia a um receptor. O linguista francês CHARAUDEAU, um dos mais
renomados especialistas da Análise do Discurso, nos explica que além
da 'produção' (do
argumento) há a contrapartida de 'interpretação' operada
pelo sujeito interpretante acerca do conteúdo da mensagem/argumento.
Para o estudioso francês, a comunicação é um 'ato
interenunciativo'
que envolve, no mínimo, não dois, mas quatro sujeitos na
comunicação: dois 'Eus' (um que fala e outro que interpreta) e dois
'Tus' (um a quem se dirige a produção da mensagem e o outro a quem
se atribui a interpretação operada pelo destinatário). CHARAUDEAU
trabalha justamente com a idéia de que aquele a quem se dirige a
mensagem não é um receptor passivo de conteúdo, mas um sujeito
ativo no ato de fala proveniente do emissor da mensagem.
Não
são, pois, os argumentos que devem ser um a um, fragmentariamente
respondidos na fundamentação, senão os 'possíveis
interpretativos'
(CHARAUDEAU) decorrentes dos atos de fala das partes no
processo. Traduzindo para o mundo jurídico, o que se conclui é que
a fundamentação da sentença deve dar conta, não propriamente dos
argumentos, mas, sim, das 'questões
de fato e de direito'
que decorrerem das alegações argumentativas das partes em litígio.
E
é nessa ordem de idéias, portanto, que deve ser compreendido o
inciso IV do artigo 489 do NCPC que, aliás, impõe ao juiz o dever
de enfrentar todos os “argumentos
deduzidos”
e não todos os “argumentos”
tout
court do
processo, ou
seja, nem todos os argumentos que forem alegados pelas partes devem
ser necessariamente enfrentados, mas apenas as proposições
sintéticas que resultarem do processo de dedução jurídica dos
'possíveis
interpretativos' que
decorrem dessas alegações.
A
Análise do Discurso tem nos revelado o quanto ainda é
preciso avançar na teoria da argumentação jurídica, que se mostra
muito pobre e diluente na compreensão da complexidade do fenômeno
linguageiro. A complexidade da argumentação não se esgota nos
campos semântico e sintático, tampouco no lógico. O linguista
norte-americano Charles MORRIS demonstrou, desde o início do século
passado, que, além dos planos semântico e sintático, as
inferências pragmáticas - ou seja, as interpretações que nascem
não propriamente do texto, senão do contexto da comunicação -
governam qualquer troca comunicativa.
A
alta complexidade que envolve essa troca humana de comunicação,
decorrente do entrecruzamento dos vários planos da linguagem, pode
conduzir o processo judicial a um caos ainda maior – sim, é
possível! o fundo do poço ainda não chegou. Para evitar isso, é
necessário que os discursos dos antagonistas processuais sejam
informados por princípios civilizados de interpretação da
linguagem comum.
Nesse
passo, mais conveniente do que tentar regrar a argumentação
retórica da fundamentação, seria organizar os procedimentos de
comunicação interna do processo judicial, considerando os preceitos
básicos da linguagem comum. A prática forense, mormente em tempos
do 'control
c'
e 'control
v',
demonstra que são despejados nos autos, de forma absolutamente
caótica e aleatória, centenas de alegações truncadas,
verborrágicas, com argumentos tumultuários e desconexos. Na era da
abundância da informação, da inteligência coletiva da rede, toda
concisão é virtude. O Novo CPC, mais uma vez andou mal, e não é
claro a esse respeito, como o é, por exemplo, a legislação
processual norte-americana - Federal
Rules of Civil Procedure (Regras
8.a.1 e 8.b.1.A)3.
Toda
troca comunicacional é informada pelo princípio da cooperação,
conforme demonstra o grande filósofo inglês da linguagem Paul
GRICE, para quem esse princípio da cooperação
linguística se desdobra em várias máximas, tais como: (i)não
apresentar mais informação do que a necessária; (ii)não afirmar
nada sem prova ou com consciência de que é falso;
(iii)restringir-se ao assunto pertinente e (iv)ser claro, conciso e
ordenado, evitando-se a ambiguidade.
O
Novo CPC trouxe, em boa hora, o paradigma do processo cooperativo
(art. 6º), que promove um envolvimento mais ético das partes. A
cooperação, portanto, não afeta apenas os atos processuais, mas,
sobretudo - como decorre do aporte de GRICE - também os atos de fala
de todos os sujeitos no processo. Essa perspectiva linguística, não
propriamente retórica, é que deveria ser tomada em consideração,
se o que se deseja é enfatizar o viés discursivo do processo
judicial.
Não
obstante o princípio cooperativo, é importante recordar que a
sentença é, também, expressão técnica do exercício do poder,
que não pode, naturalmente, ser arbitrária, decisionista, mas não
se deve olvidar que ela tem, por outra perspectiva, um viés
prático-político indeclinável, que é o de resolver o conflito em
sua dimensão jurídica, pela via adjudicada. A realidade
dura do foro mostra que os atores do processo preferem o duelo à
cooperação. Nesse sentido, sujeitar a fundamentação aos
jogos sem fim da linguagem argumentativa, a par de consistir numa
utopia ingênua, descumpre a promessa constitucional de efetivação
dos direitos em tempo razoável nos cem milhões de processos que
tramitam na Justiça brasileira.
1O
texto foi aprimorado pelos membros do grupo de estudo sobre o Novo
CPC, coordenado pelo Professor e Juiz Ney Maranhão, especialmente
pelos Professores Bezerra Leite (UFES) e Adriana Sena (UFMG) e pelo
colega Kleber Waki (TRT-GO). Agradeço também à Professora de
Linguística da UFMG Janice Helena Marinho.
2Professor
dos Cursos de Pós-graduação do IEC PUC-MINAS, Desembargador do
Trabalho no TRT-MG e Doutor em Direitos Fundamentais.
(a)
Claim
for Relief. A
pleading that states a claim for relief must contain:
(1)
a short
and plain statement of the grounds
for the court's jurisdiction, unless the court already has
jurisdiction and the claim needs no new jurisdictional support;
(2)
a
short and plain statement of the claim showing that the pleader
is entitled to relief; and
(3)
a demand for the relief sought, which may include relief in the
alternative or different types of relief.
(1)
In
General. In
responding to a pleading, a party must:
(A)
state
in short and plain terms its defenses
to each claim asserted against it; and (...)”
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