A sociedade brasileira está divida
sobre o tema, só que em partes desiguais e o problema dos rolezinhos é justamente
esse: a divisão perversamente injusta e desigual da sociedade brasileira.
Será lícito a desordeiros da
periferia perturbar o sossego consumista, o lazer insular e a paz perpétua dos
jovens de bem desse país? Vamos trocar o lema positivista de nosso pavilhão
nacional para Desordem e retrocesso?
Acho que não. Esse neoapartheid
tupiniquim, pós-Mandela, que a criatividade heterodoxa da democracia brasileira
põe em xeque neste momento, nos faz recordar o universitário norte-americano, Franklin
McCain, que em 1º de Fevereiro de 1960,
entrou nos armazéns da Woolworth em Greensboro, na Carolina do Norte,
EUA e se sentou com três colegas da
universidade junto ao balcão de um snack-bar reservado a
brancos; seu pedido de café com Donuts foi solenemente
recusado. Não bastasse, apanhou de cassetete da polícia.
Mas seu movimento se alastrou por
toda a América; o jovem se tornou o precursor do Civil Rights Act
de 1964, que proibiu a segregação nos locais públicos, mesmo que privados. Isso
na pátria da liberdade e da propriedade privada.
O elevador social e os shoppings deveriam
ser apenas privados, mas na prática são privativos. A dicotomia público x
privado já não responde bem, conceitual ou socialmente, aos desafios do mundo
contemporâneo. A garantia à intangibilidade da vida privada, não se pode
desdobrar em seu duplo, oposto, qual seja, na privatização da liberdade
coletiva de ir e vir.
O local privado de acesso público (rectius:
comum) significa, na realidade, a invasão da esfera privada sobre o domínio
coletivo. É o interesse privado que se irradia sobre as energias coletivas –
energias de produção, de consumo – com a finalidade de apropriação individual.
É evidente – até para o mais
radical liberalista - que o interesse individual, ao se despregar da esfera
privada, mormente com intuito de apropriação econômica, não pode se sobrepor ao
direito público. A esfera privada, ao se aventurar no meio comum, para realização
de seus interesses, está juridicamente obrigada a respeitar o interesse difuso
da coletividade.
Do ponto de vista técnico jurídico,
não há falar nem sequer em choque de valores. A colisão de bens
constitucionalmente tuteláveis só se opera quando há interseção, interpenetração,
entre os diâmetros naturais de esferas jurídicas distintas, não, como no caso
dos locais privados de acesso público, em que a seara privada expande-se sobre
o espaço imaterial da comunidade. Nesse caso de irradiação privada, a hipótese é
de mera prevalência dos interesses da esfera invadida em relação àqueles da
invasora.
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