A pedido da Graça Freitas, que lembrou dele, resgato este texto, publicado nos idos de 1998 (sic!) nos ainda bons tempos da Folha de São Paulo.
O contrato provisório e a lógica da geladeira
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
Há cerca de seis meses, uma grande cadeia de eletrodomésticos veiculou na mídia um comercial muito interessante: aparecia um marido estupefato com a compra feita pela sua mulher; embora admitisse que o preço estivesse muito baixo, isso não justificava - balbuciava ele - a compra de 40 geladeiras!
A lógica que informa o contrato provisório de trabalho(Lei 9.601/98), inspirado na iniciativa da Força Sindical, e que se encontra questionado no Supremo Tribunal Federal, é a mesma da mulher da propaganda: a de desvinculação entre alocação de recursos e necessidades, justamente o caminho oposto trilhado pela ciência econômica, desde que se houve como tal.
Será que promovendo uma “liquidação” dos empregos, irá o governo conseguir baixar o estoque de desempregados? Obviamente que não! O caminho, com certeza, passa por uma política econômica menos recessiva. Havendo demanda, a empresa contrata; sem demanda não adianta nem mesmo arregimentar mão-de-obra escrava.
Note-se que a Lei 9.601/98 não está rigorosamente inserida na teleologia do Direito do Trabalho. Esse ramo jurídico surgiu historicamente da preocupação de tutelar o empregado, em face da evidente disparidade de forças entre ele e o patrão. A idéia era compensar, juridicamente, o desequilíbrio de fato existente na realidade.
A Lei 9.601/98 não tem qualquer preocupação com tutela do empregado, sua intenção é bem outra: a de incentivo à criação de novas vagas de trabalho. Sob essa perspectiva é uma norma de Direito Econômico, em harmonia, pelo menos aparente, com função promocional do Estado contemporâneo, que, segundo NORBERTO BOBBIO, não se contenta mais com as sanções punitivas, passando também a premiar as condutas por ele desejáveis.
A precitada norma, todavia, é inepta como instrumento de promoção estatal, pois está calcada, tão-somente, no fundamento microeconômico do custo do trabalho para a empresa. Além disso, restringido a redução dos encargos trabalhistas à contratação temporária, torna-se um incentivo ao emprego provisório, consagrando, dessa forma, o desemprego permanente, e promovendo, assim, justamente aquilo que pretende combater.
Mesmo se ela tivesse em conta o aspecto macroeconômico, com a atenuação dos efeitos da política recessiva, ainda assim, a lei do contrato provisório não poderia ser considerada uma norma de incentivo à empregabilidade, tampouco, de flexibilização das relações de trabalho.
O conceito de empregabilidade traz ínsita a idéia de treinamento e readaptação da mão-de-obra, mas isso só se torna possível num contexto de integração do trabalhador na empresa, numa relação de emprego duradoura. Que empresa irá investir no trabalhador provisório? E sem investimento na formação de mão-de-obra, não há aumento de produtividade, com a conseqüente perda de competitividade da empresa nacional.
A flexibilização da relações de trabalho é a palavra de ordem no discurso empresarial. Não se sabe bem o que é isso. Dizem que não se trata da precarização do contrato de trabalho, mas sim de torná-lo mais atraente e desburocratizado para o empregador. Se é verdade, a Lei 9.601/98 não compreendeu bem a lição.
Cheia de requisitos e formalidades, principalmente no que toca à desoneração dos tributos, em nenhum momento consegue-se vislumbrar deformalização ou mesmo desburocratização. Com ranço cartorário impõe, inclusive, o depósito do acordo coletivo na repartição do Ministério do Trabalho.
Por outro lado, ela onera mais o empregado do que próprio governo, pois enquanto o trabalhador perde integralmente o aviso prévio, adicional de 40 por cento sobre o Fundo de Garantia e as cinco parcelas do seguro-desemprego, além de sofrer uma redução de seis por cento no seu FGTS(redução de oito para dois por cento), o governo perde apenas 1,25% no salário-educação, de meio a 1,5% no seguro acidente de trabalho e 0,1% na reforma agrária(INCRA). As entidades patronais do chamado sistema “S” perdem juntas cerca de 4,05%.
Pior do que isso, a multicitada lei, apesar de prever pesadas multas a favor do erário público(FAT) e do corte dos incentivos fiscais, em caso de não-observância das formalidades legais, ela lava as mãos em relação ao empregado, que continua, mesmo nessa hipótese, perdendo o aviso prévio, adicional de 40 por cento sobre o FGTS e o seguro-desemprego.
É verdade que o Decreto regulamentar n. 2.490/98 tenta, bisonhamente, dizer o contrário da lei, restabelecendo, nesse caso, o contrato indeterminado, mas isso, qualquer leigo em Direito sabe, fere a hierarquia das normas jurídicas. Se prevalecer, jurisprudencialmente, a tese do decreto, a equipe técnica do governo está mais do que ciente, de que os fundamentos jurídicos dessa decisão não poderão estar amparados no referido regulamento.
Que BOBBIO permaneça alheio e distante do que acontece por cá, pois muito lhe frustraria ver no que deu a sua proposta de Estado Promocional.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Olá Pepe,
Esta seguramente (ainda que em atraso à publicação) foi uma das postagens do Blog que mais me entusiasmou. A crítica inteligente é perfeita e dá uma estocada mortal no discurso exaustivamente sustentado pelo empresariado de que "está sobrando emprego"...
Se me permite, aguardarei alguma manifestação sua para encaminhá-la para alguns empresários conhecidos. Depois seguramos os rugidos! (rs*)
Grande abraço.
Em tempo.
Quando dizem (o empresariado) estar sobrando "emprego", querem dizer que está sobrando "trabalho". O tipo de "trabalho" tratado pela matéria do post.
Pergunto-me se sabem a diferença entre ambos, OU, se só fingem não saber.
Um dia, "armada com as armas de Jorge" eu ainda pergunto... E seguro os urros sozinha. (ai!)
Um outro abraço.
oi Renata, fico feliz que vc. tenha gostado do texto, que é antigo, mas permanece de certa forma atual. grande abraço
Postar um comentário