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terça-feira, 16 de junho de 2009

O DIREITO PENAL DO TRABALHO E A MÁ CONSCIÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO


O Direito Penal do Trabalho é um ramo praticamente inexistente no Brasil[1]. O professor italiano Umberto Romagnoli observa, tomando um conceito de Nietzsche, que nele assenta a «má consciência» do ordenamento jurídico, ou seja, nessa parcela diminuta da ciência dos direitos, escondem-se e reprimem-se seus instintos e sua vocação natural para a tutela da sociedade. A proteção do trabalho humano é ainda muito recalcada, reprimida pela consciência liberal. O charme da livre iniciativa, do herói empreendedor, ofusca o brilho tosco do labor e do suor do homem sem valia.

Por outro lado, a origem dessa disciplina está também muito marcada por um viés fascista. Em seus primórdios, no século passado, esteve ligada à concepção de proteção da produção econômica e não do trabalho, mais precisamente da garantia da manutenção da «força-trabalho». Nessa linha, historicamente, o Direito Penal do Trabalho servia inclusive à criminalização da greve.

Com essa dupla associação – recalque liberal e origem pouco nobre – o Direito Penal do Trabalho foi convenientemente esquecido pelas universidades, adormeceu nas prateleiras das bibliotecas e na inércia de seus dispositivos legais homologou-se um completo abandono forense. Mas esse silêncio eloqüente, na boca muda da lei, já começa a incomodar.

No Estado Democrático de Direito exsurge, entretanto, um novo Direito Penal do Trabalho que pode e deve encontrar sua pulsação natural na vida social. Liberando-se de suas raízes corporativistas, da pura garantia da «força-trabalho», sua nova função na República passa a se voltar à proteção da pessoa do trabalhador, do meio ambiente de trabalho, dos direitos sociais, por um lado, e à consagração da liberdade sindical e de trabalho, de outro. Nessa última perspectiva, tende a fortalecer a repressão estatal às condutas anti-sindicais e às condições de trabalho análogas às de escravo.

O Direito Penal do Trabalho não está associado ao Direito Penal clássico e, por isso, não pode nem deve ser articulado sob os mesmos princípios do liberalismo político que inspiraram os chamados direitos humanos de primeira dimensão. A nova tutela penal-trabalhista está muito mais associada aos direitos fundamentais de segunda geração, os chamados direitos sociais, que aos civis clássicos.

Nessa mesma ordem de idéias, as novas dimensões dos direitos humanos, quais sejam, os direitos ao meio ambiente e à bioética desafiam uma tutela penal específica, com princípios reitores próprios e moldados a suas características.

O Direito Penal do Trabalho está mais próximo ao novo Direito Penal Econômico, da repressão aos chamados ‘crimes do colarinho branco’, que têm um histórico de impunidade e de tolerância 100%. Nessa esfera, cogita-se da penalização da pessoa jurídica e aproxima-se do Direito Administrativo Sancionador.

A despeito dessa nova vocação tuitiva e de emancipação do Direito Penal do Trabalho, esse ramo jurídico continua inerte na prática judiciária, principalmente, porque os atores institucionais responsáveis por sua aplicação não estão aparelhados e vocacionados para essa atuação no mundo do trabalho, mesmo por estarem assoberbados com outros tipos de demanda.

Além da vocação natural da Justiça do Trabalho para tutela penal-trabalhista, não é demais lembrar que esse ramo do Judiciário é que o que tem menor taxa de congestionamento, segundo os últimos levantamentos estatísticos do Conselho Nacional de Justiça, sendo, dessa forma, a Justiça com maior capacidade de atender a novas demandas sociais.

Uma vez posto em prática efetiva, o Direito Penal do Trabalho irá, aliás, valorizar a concorrência sadia, reprimindo o dumping social e a concorrência desleal, fundada na precarização, na mercantilização do trabalho e no descumprimento dos direitos sociais. Os mecanismos modernos de transação penal, por outro lado, permitirão inclusive a ênfase em medidas pedagógicas, antes da intervenção meramente punitiva.

A fim de proceder à defesa dessa nova visão tutelar do Direito Penal do Trabalho é que várias entidades representativas do mundo laboral – sindicalistas, juízes, ministério público, advogados, fiscais do trabalho etc. - estão convocando a sociedade civil organizada para uma Frente Trabalhista em prol da competência penal da Justiça do Trabalho[2].
O que se percebe, hoje, é que há um consenso doutrinário no sentido de que a sistemática mais adequada e eficaz para a proteção de grupos hipossuficientes é a concentração ou defragmentação, não só da tutela jurídica, mas também da tutela judiciária, num único órgão, a partir da idéia de ‘unidade de convicção’[3], ou seja, a perspectiva de conjugar, simultaneamente, a tutela patrimonial à penal.

É no sentido dessa confluência interdisciplinar que foi promulgada a recente Lei 11.340, de 8 de agosto de 2.006, a chamada Lei Maria da Penha, que, como se vê de seus artigos 13, 14, e 33[4], concentra, num mesmo órgão judicial, a proteção contra a violência à mulher[5], tanto do ponto de vista cível, como do penal. Nessa mesma linha aponta a novel lei espanhola de repressão à chamada violência de gênero.

Os direitos são construções do homem, em permanente elaboração, cuja evolução coincide com o desenvolvimento de nossa sensibilidade para a tutela dos direitos fundamentais, sem culpa e má consciência.




[1] As exceções que confirmam a regra são as obras monográficas de Altamiro José dos Santos, ‘Direito Penal do Trabalho (1997, LTr) e de Lorena de Mello Rezende Colnago, ‘Competência da Justiça do Trabalho para o Julgamento de Lides de Natureza Penal Trabalhista’ (2009, LTr).
[2] O Ato público está convocado para esta sexta-feira, dia 19 de junho, às 15 horas, na Escola Superior de Advocacia da OAB-MG, na rua Guajajaras, n. 1597. Barro Preto, próximo ao Fórum Lafayette.
[3] Segundo o princípio da unidade de convicção, como enunciado e formulado pelo Ministro Cezar Peluzo no CC nº 7.204-1, “não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes”. Nesse sentido, conclui o Ministro Peluzo, que se o mesmo fato houver de ser submetido à apreciação jurisdicional por mais de uma vez, o mais razoável é que o seja pelo mesmo ramo judiciário, “por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre inteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a justiça”.
[4] Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
(...)
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
[5] Essa conexão entre o princípio da unidade de convicção e a referida Lei 11.340/06, foi captada de forma muito feliz pela Juíza do Trabalho da 23ª Região, Dra. Eleonora Alves Lacerda Bonaccordi, por ocasião de manifestação no grupo interinstitucional de discussão Magistratura-Ministério Público do Trabalho, em 9 de agosto de 2.006.

Um comentário:

Anônimo disse...

Existe, atualmente, uma única obra no mercado tratando do assunto. É a obra "Direito Penal do Trabalho", do professor Ricardo Antonio Andreucci, eminente penalista, Promotor de Justiça Criminal de São Paulo, Doutor e Mestre em Direito. Nela, o autor aborda todos os aspectos do Direito Penal do Trabalho, analisando detidamente todos os tipos penais que podem originar delitos oriundos das relações de trabalho.