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sábado, 5 de abril de 2014

PENSAR O PROCESSO ELETRÔNICO COM A CABEÇA DE PAPEL

A ficha ainda não caiu para a doutrina tradicional da teoria do processo. Ela ainda não se deu conta da dimensão do vácuo entre a prática do processo eletrônico e a sua teorização.
O programa do processo eletrônico não é, evidentemente, o processo, mas o processo ‘por meio’ do programa acaba, na prática, transformando-se, condicionado e afetado por esse programa.
O jurista norte-americano Larry Lessig[1] cunhou a célebre frase ‘code is law’, enfatizando a importância que o código fonte da programação tem hoje na regulação da sociedade em rede. O direito não se resume ao code, mas pensar, por exemplo, que a codificação de um sistema de processo eletrônico é capaz de reproduzir a mesma racionalidade dos autos em papel é de uma ingenuidade a toda prova.
Os meios de comunicação ou transporte são extensões do ser humano (McLuhan). O ser humano que se deslocava a pé na antiguidade é muito diferente daquele que se desloca hoje de avião.
Da mesma forma, o filme — meio cinematográfico — Senhor dos Anéis é muito diferente do livro respectivo — meio impresso em papel —, ainda que tratem sobre mesmo tema. O telejornal é diferente do jornal que adquirimos nas bancas, ainda que tenham a mesma linha editorial e noticiem a mesma pauta. As características e princípios da arte cinematográfica são bem distintos daqueles da literatura, da mesma forma que variam as características entre o jornal e o telejornal.
O processo no meio de papel, igual modo, é muito diferente do processo no meio eletrônico, ainda que ambos tenham tema idêntico: dirimir conflitos no Judiciário. McLuhan diria que o ‘meio é a mensagem’, ou seja, o meio de comunicação afeta e condiciona o conteúdo da mensagem.
Insistir em pensar o processo eletrônico com a cabeça de papel é o maior erro dos fluxos de trabalho (workflow) que projetam o processo virtual. Os meios são extensões do ser humano, não são neutros, afetam nossa cognoscibilidade. O pessoal da área de comunicação, da teoria da informação, sabe disso há muito tempo. Os juristas não.
Nesse sentido específico, o meio eletrônico domina, condiciona, afeta e transforma profundamente as características ou princípios do processo judicial, pensado para ser escrito no papel.
Urge, pois, um up grade, antes que um mero up to date, na teoria geral do processo. Os juristas, condicionados ao princípio da escritura — em voga desde o Século XIII no processo canônico — temos o vezo de reduzir a revolução do computador ao editor de texto, equiparando o notebook a uma máquina de escrever com mais recursos. Isso é tão simplista como pretender transformar um livro num filme, filmando suas páginas impressas.
Nos estudos desenvolvidos no âmbito do grupo de pesquisa da Escola Judicial do TRT-MG - GEDEL, já se lobrigam 9 novos princípios ou características, diferentes do processo tradicional:
  (i) princípio da conexão;
 (ii) princípio da imaterialidade;
 (iii) princípio da interação;
 (iv) princípio da desterritorialização;
 (v) princípio da instantaneidade;
 (vi) princípio da hiperrealidade;
 (vii) princípio da intermidialidade;
 (viii) princípio da automatização ou da responsabilização algorítmica e, finalmente,
(ix) princípio da proteção aos dados sensíveis.
Essas características, é claro, dialogam com os princípios tradicionais do processo, mas no meio eletrônico assumem dimensões que precisam ser estudadas com maior rigor e profundidade pela doutrina tradicional.
Ignorar a nova racionalidade que deriva do processo eletrônico é um grande desperdício de de fenomenalidade e uma destruição da complexidade (Morin), que, a par de ser incapaz de responder aos problemas que o meio eletrônico suscita, limita e até deixa escapar também a verdadeira transformação que o processo judicial, plugado na inteligência coletiva da rede, pode trazer a benefício de todos os cidadãos.

[1] O Professor Lawrence Lessig, da Harvard Law School. é defensor da cultura digital livre, e fundador do Creative Commons, instituto que defende a flexibilização da propriedade intelectual, a partir da perspectiva de que o conhecimento é coletivo e não deve ser apropriado

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