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terça-feira, 15 de julho de 2008

TERCIARIZAÇÃO E ELISÃO TRABALHISTA

Por José Eduardo de Resende Chaves Júnior[1]e Marcus Menezes Barberino Mendes[2]

O Congresso Nacional está em débito com as relações de trabalho no Brasil. Precisamos urgentemente de uma lei regulando e autorizando a chamada terceirização das atividades econômicas. O capitalismo pós-industrial necessita da especialização e da externalização das atividades. A empresa contemporânea que não se organizar numa estrutura reticular, perde agilidade, criatividade, produtividade, enfim, a empresa-pirâmide não consegue mais competir com a empresa-rede.

Por falta de lei específica, o Tribunal Superior do Trabalho passou a normatizar o assunto, através (hoje) da Súmula 331. Grosso modo, essa súmula criou a distinção entre ‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’, autorizando apenas a terceirização dessas últimas atividades.

A distinção entre atividade-fim e atividade-meio já não tem mais sentido. Hoje a reorganização produtiva desafia pensar no que é ou não estratégico para a empresa. Não é à toa que os bancos estão terceirizando até os serviços de compensação e as teles as atividades de cabeamento. Distribuidoras – elas próprias que já exercem uma atividade essencialmente terceirizada – externalizam também essa própria distribuição de produtos. Enfim, o que se percebe é que quem não diferir a produção está fora do mercado.

Hoje para o Direito do Trabalho, melhor que falar em empresa – termo de difícil definição jurídica – é pensar em ‘empreendimento’. O ‘empreendimento’ é toda a articulação produtiva, toda a sinergia reticular dos fatores da produção. A dinâmica de produção hoje não necessita mais de uma subordinação direta, vertical e disciplinar do trabalhador. Mais do que isso, a reengenharia da empresa permite que o trabalhador possa prestar o seu serviço, concomitantemente, não apenas para uma mesma cadeia produtiva, senão para várias.

O problema de uma externalização desregulada, entretanto, é o de transformar a terceirização em merchandage, ou seja, o de transformar o ser humano trabalhador em simples objeto ou mercadoria. Ao fim e ao cabo, o ímpeto pelo aumento de criatividade e produtividade da empresa se acomoda, pois os excedentes obtidos com a pura e simples redução da remuneração do empregado acaba satisfazendo. Perdem com isso os trabalhadores, sem dúvida, mas também o Brasil, em competitividade. Ganhar competitividade em cima dos salários é uma medida que só aumenta a espiral de desqualificação do trabalhador.

Mas é importante não confundir a regulação da terceirização com duas vias absolutamente equivocadas e até mal-intencionadas, em alguns casos: a pejotização e a parassubordinação, ou seja, o processo a que o jurista espanhol Antonio Baylos denomina ‘deslaboralização dotrabalho’.

A parassubordinação é ainda mais maléfica, pois, ao contrário da pejotização, não pode ser nem em tese detectada como fraude, já que é a própria legalização da fraude, uma vez que a proposta nesse caso é de criação de uma outra regulação (precária) do trabalho prestado aos empreendimentos em rede.

Além disso, a parassubordinação, ao se apresentar como uma forma alternativa de contratação, iria, na prática, transferir a concorrência da seara do capital, para a do trabalho. Em outras palavras, seria uma espécie de elisão trabalhista, migrando o par evasão-elisão da esfera tributária, também para o mundo trabalhista.

Como se sabe, a elisão é uma figura jurídica que permite a utilização de lacunas contidas no ordenamento tributário, para se conseguir a redução ou isenção de tributos. A evasão é o mesmo procedimento, mas aí já ingressando na esfera do ilícito fiscal. Tal modelo é totalmente incompatível com a regulação das relações de trabalho, pois é indigno que um estatuto legal enseje alternativas ao capital para reduzir o crédito alimentar do trabalhador.

A tendência da pejotização dos trabalhadores, por outro lado, ao contrário de torná-los seres humanos emancipados e autônomos, acaba, na prática, reduzindo-os à condição de meros ‘autômatos’. A recente Lei n. 20 da Espanha, de 2007, chegou ao absurdo de criar a figura do trabalhador autônomo-dependente, pura contradictio in terminis.

Urge, pois, a edição de uma lei de terceirização decente e séria para o país, que efetivamente impulsione as empresas a explorar e aumentar sua criatividade organizativa e produtiva, mas blindada contra a precarização e a mera mercantilização do trabalho humano.

Com uma terceirização regulada, todos se beneficiam e todos se responsabilizam pelo trabalho e pelo risco econômico da atividade. A Argentina, Uruguai e Chile já possuem legislação a respeito, o que torna o débito do nosso Congresso um déficit, inclusive, de integração regional.


[1] Juiz do trabalho, titular da 21ª Vara de Belo Horizonte-MG, doutor em Direitos Fundamentais e Vice-presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho - IPEATRA

[2] Juiz do Trabalho Substituto no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, mestre em Economia Social do Trabalho, pelo Instituto de Economia da UNICAMP e doutorando em Desenvolvimento Econômico pela mesma Universidade.

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