Mal
acabou de ser publicada a Lei
12.551,
neste 16 de dezembro de 2011, e a
polêmica se instaurou nas redes sociais, inclusive na lista nacional
dos juízes do trabalho. Ela modifica a redação do artigo 6º da
CLT, para
equiparar
os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios
informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. A polêmica
envolve a discussão sobre o direito a horas extras decorrente do uso
de celulares, pagers e tablets.
Até
agora, prevalecia o entendimento cristalizado na Súmula 428 do TST,
que considerava que o uso do celular ou de outros meios telemáticos,
fora do horário oficial de trabalho, não induzia o direito ao
denominado 'sobreaviso', instituto esse previsto no artigo art. 244,§
2º da CLT, que garante a remuneração de um terço das horas em que
o empregado ferroviário aguarda de plantão, em sua residência,
eventual convocação para trabalhar.
Alguns
sustentam que a Lei 12.551/2011 em nada alterou o entendimento da
Súmula 428/TST, ao argumento de que tal dispositivo legal trata
apenas da configuração da relação de emprego a distância - o
chamado teletrabalho - nada dispondo a respeito do controle da
jornada.
Esse
entendimento, contudo, não nos parece correto. Interpretar a Lei
12.551/2011 como um simples update
de redação é muito pouco. Interpretar dessa forma
seria entender que houve um provimento legislativo praticamente
inútil, pois a modalidade de emprego a distância sempre existiu,
sem maiores controvérsias. Não havia necessidade de movimentar-se o
Congresso Nacional só para isso.
Se
existe um princípio hermenêutico de que a lei não contém palavras
inúteis, por argumento a
fortiori, somos
obrigados a concluir que com mais razão não se pode conceber uma
exegese que pressuponha não apenas palavras inúteis, mas a
promulgação de toda uma lei em vão.
Nessa
mesma linha, entender que a referida lei apenas deixou expressa a
possibilidade de configuração de emprego para as formas de
teletrabalho, tornaria sem sentido o próprio parágrafo único do
artigo 6º da CLT, acrescido por ela, porquanto o caput
também foi alterado, justamente para incluir o trabalho a distância.
Ainda
nesse mesmo sentido de que não existem palavras inócuas na lei, o
novo parágrafo único do art. 6º da CLT dispõe justamente a
respeito da equiparação do controle
telemático aos meios pessoais e diretos. A consequência dessa
'equiparação' incide justamente nos mecanismos de comando, controle
e supervisão do trabalho subordinado, isto é, trata-se de
incidência sobre todos os 'efeitos' da relação de emprego, e não
apenas sobre os seus fatores constitutivos.
A
ementa da Lei 12.551 é inclusive taxativa a respeito, ao esclarecer
que o referido dispositivo tem por objetivo, in
verbis:
“equiparar
os 'efeitos'
jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e
informatizados à exercida por meios pessoais e diretos”
(grifo nosso).
O
que não havia era o reconhecimento - jurisprudencial – de que os
meios telemáticos e informatizados se equiparavam
aos meios pessoais e diretos. Isso
é a novidade.
E essa novidade é que deve ser ressaltada na interpretação, e não
que a Lei 12.551/2011 tenha sido editada para chover no molhado.
Vale
anotar que no PL
n. 4505/2008,
de autoria do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, PSDB/ES, é que se
pretende regulamentar de outra forma o teletrabalho, para justamente
consagrar o entendimento da Súmula 428/TST, que não reconhece os
meios telemáticos como forma de comando, controle e supervisão do
trabalho, tanto que no parágrafo único do art. 6º do PL está
cassado expressamente o direito a horas extraordinárias dos
trabalhadores a distância – o que, aliás, é de duvidosa
constitucionalidade.
SOBREAVISO
OU HORA CHEIA.
Outra polêmica que envolve a edição da Lei 12.551/2011 diz
respeito ao pagamento da hora extraordinária cheia, com o adicional
respectivo, ou apenas com o terço previsto pelo art. 224, §
2º da CLT.
Nas
situações em que a relação de emprego comum se realiza totalmente
a distância, não há dúvida de que serão devidas as horas extras
integrais, inclusive com os adicionais, em relação a todo o período
em que o empregado estiver sujeito a controle, comando ou supervisão
a partir de dispositivos móveis.
Nessa
hipótese, em que o trabalho invade por completo todos os momentos da
vida do trabalhador, a única forma de garantir ao empregado o
direito à desconexão do trabalho é prescrevendo um limite para o
seu monitoramento virtual. O chamado trabalho biopolítico, na
denominação preferida por NEGRI & HARDT, mistura e torna
indiscerníveis vida e trabalho produtivo. Nesse caso, é preciso que
o ordenamento tutele a vida privada do empregado, a fim de, pelo
menos, equilibrar a alienidade (PONTES DE MIRANDA) de seu trabalho e
o direito a uma esfera virtualmente inviolável de privacidade, com
um mínimo de porosidade. Como contrapartida às novas tecnologias de
comunicação e informação, é chegada a hora de reduzir também a
porosidade da vida familiar e pessoal do empregado, pois a
informática tende a reduzir a zero a porosidade na produção.
Por
outro, em se tratando de trabalho tradicional, exercido no ambiente
físico da empresa, a prática de determinar que o empregado
permaneça no final de semana ou durante a noite, com o celular
ligado, evidentemente que constrange a sua liberdade pessoal e
familiar, porquanto pode se ver em situação embaraçosa perante o
empregador simplesmente se seu celular permaneceu sem bateria por
determinado tempo no final de semana.
Mas
impingir que a empresa remunere todo esse período como horas
extraordinárias, cheias, não parece adequado, pois há de fato uma
distinção fática entre o trabalho habitualmente realizado a
distância e aquele prestado no estabelecimento do empregador. Desde
Aristóteles, uma das funções primordiais da ideia de justiça é
saber distinguir, justamente para não tratar igualmente desiguais.
Nesse
linha da igualdade aristotélica, parece, portanto, adequado
proceder-se à integração analógica do ordenamento, para
excepcionar a aplicação do novo parágrafo único do artigo 6º da
CLT nos casos de uso de dispositivos móveis fora das dependências
físicas da empresa e do horário regular de trabalho, a fim de
aplicar-se o preceito prescrito para os ferroviários, previsto no
art. 224, §
2º da CLT.
Isso
demonstra como a Lei 12.551/2011 deu um verdadeiro upgrade
nas condições de trabalho e não apenas um simples update
de redação. Anteriormente a ela, os empregados tentavam em vão
aplicar analogicamente o instituto pensado para os ferroviários; a
partir de agora, serão os empregadores que irão se apegar a esse
instituto. Não custa recordar, que esse upgrade
é
um dos princípios constitucionais básicos em se tratando de direito
dos trabalhadores, como está estampado no caput do artigo 7º, na
locução
“além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”.
EXTENSÃO
AOS VENDEDORES E MOTORISTAS.
Outro debate interessante diz respeito à aplicação do novo art. 6º
da CLT aos vendedores externos e motoristas, que também estão
sujeitos ao controle telemático de sua atividade.
A
jurisprudência do TST já afasta a aplicação do artigo 62,I da CLT
(dispositivo que cassa o direito às horas extras relativas ao
trabalho externo) quando se trata de motorista monitorado por
satélite. Contudo, quanto aos vendedores ou empregados sujeitos a
outros meios de controle, tais como palm-tops, pagers e celulares a
jurisprudência oscila muito.
Para
essas últimas hipóteses, a nova Lei 12.551/2011, especialmente o
disposto no parágrafo único do artigo 6º da CLT, é expresso em
equiparar os meios telemáticos e informatizados ao controle pessoal
e direto. É importante ressaltar novamente que o caput
do novo art. 6º consagra a equiparação dos requisitos
constitutivos da relação de emprego a distância ao trabalho
realizado na sede física da empresa, o que, aliás, já estava
implícito na redação anterior, não havendo qualquer dissenso na
doutrina ou jurisprudência a respeito.
Já
no que toca ao parágrafo único do precitado artigo, aí, sim, há
novidade, ou seja, a equiparação dos meios telemáticos aos meios
pessoais e diretos, não apenas para fins de constituição da
relação de emprego, mas também para as consequências (rectius:
efeitos) jurídicas decorrentes do vínculo empregatício a
distância, ou seja, para fins inclusive de controle, comando e
supervisão da jornada de trabalho alheio.
CONCLUSÃO.
Enfim, a Lei 12.551/2011 é um instituto que cumpre com os objetivos
constitucionais de agregar ao ordenamento melhoria às condições
sociais dos trabalhadores, tornando irrelevante, para fins de tutela
do trabalho humano subordinado, se a supervisão, o comando e o
controle são exercidos pelos meios telemáticos ou pessoais. O
verbete da Súmula 428/TST, nos parece, pois, superado.
É
importante que se aproveite o bom momento da economia brasileira,
para se efetivar a consolidação normativa de avanços na legislação
social e do trabalho. A nação que respeita e protege o maior de
seus mananciais de energia, que é o trabalho humano, não erra.
Gilles
Deleuze, o profeta do virtual e da sociedade em rede, observava que
não há oposição entre o real e o virtual. O virtual se opõe, sim, ao
atual. O virtual pode ser a potência contra o ato (de injustiça
social). O mundo virtual pode se apresentar como um convite à
emancipação, como uma superação do statu
quo ante e,
não, necessariamente, como cristalização da perversa assimetria
'atual'. Isso depende apenas de nossa própria capacidade humana de
agenciar o virtual.
*José Eduardo de Resende Chaves Júnior é Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ, Titular da 21ª vara do Trabalho de Belo Horizonte, Doutor em Direitos Fundamentais, Vice-presidente da Rede Latino-americana de Juízes - www.REDLAJ.net e Coordenador do grupo de pesquisa sobre e-justiça GEDEL, da Escola Judicial do TRT de Minas Gerais.
*José Eduardo de Resende Chaves Júnior é Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ, Titular da 21ª vara do Trabalho de Belo Horizonte, Doutor em Direitos Fundamentais, Vice-presidente da Rede Latino-americana de Juízes - www.REDLAJ.net e Coordenador do grupo de pesquisa sobre e-justiça GEDEL, da Escola Judicial do TRT de Minas Gerais.
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