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sexta-feira, 5 de março de 2010

A SENTENÇA ORAL E PROCESSO ELETRÕNICO

José Eduardo de Resende Chaves Júnior[1]


O Ministério da Justiça de Portugal anuncia uma importante reforma no processo penal de seu país, reforma que irá permitir a prolação de sentenças orais, sem redução a termo escrito, em causas de menor complexidade, nos autos do processo eletrônico.

Existem inúmeros estudos comprovando que os mecanismos de racionalidade e argumentação da linguagem escrita são bem diferentes da linguagem oral.

A linguagem escrita é mais descritiva e a oral é mais performática.

Para entender isso melhor, basta pensar no desastre que seria a encenação de um romance escrito sem a transposição para uma linguagem própria para o teatro, para uma linguagem falada.

Vale lembrar que o autor da peça, ao redigi-la, não esgota os recursos argumentativos e dramáticos. Um bom ator, com sua performance, complementa bem e até transcende os limites escritos da peça teatral.

Quando o juiz profere uma sentença em audiência, acaba, em face do princípio da escritura, tendo de transcrever para a linguagem escrita a sentença proferida oralmente.

Em outras palavras, ele acaba 'ditando' uma sentença, ao invés de 'proferi-la'. No dicionário, 'proferir' significa 'dizer em voz alta'. Sentença, etimologicamente, como se sabe, vem de 'sentir' e não de 'ditar'.

No processo eletrônico, a sentença pode ser captada em sua pura verbalidade oral e gestual. Assim, o processo eletrônico permite que o juiz abandone o costume de apenas ditar, para, efetivamente, passar a proferir sentenças.

E ao 'proferir' uma sentença pode-se lançar mão de outros recursos argumentativos que a linguagem escrita não permite. Por meio da linguagem oral é possível ser mais direto e objetivo, inclusive mais conciso. As provas podem ser exibidas, mostradas e não apenas descritas pelo juiz.

A oralidade permite, pois, encenar uma sentença e não apenas de ditá-la ou escrevê-la. Como o arquivo eletrônico permite não só voz, como também imagem, e não apenas imagem, senão imagem-movimento (Bergson), ou seja, admite um arquivo de vídeo, pode-se lançar mão de todos os recursos de uma performance teatral-cinematográfica para proferir, para dizer em voz alta a sentença.

Isso pode parecer irrelevante à primeira vista, mas isso muda tudo.

O processo é um jogo argumentativo e de estratégia. Todas as estratégias são traçadas em se considerando o meio; se mudamos o meio, da mídia papel para o meio eletrônico, mudam-se as estratégias evidentemente.

É bom lembrar que o juiz – e não apenas os advogados - traça também suas estratégias argumentativas.

Essa mudança da sentença escrita, para a sentença oral é mais profunda que pensamos.

Mudamos, como dizia o papa da comunicação canadense, Marshall McLuhan, para um meio mais 'quente', o oral-eletrônico. O papel, no sentido utilizado por McLuhan, é um meio mais 'frio', ou seja, é uma mídia que fornece menos informações ao receptor.

Mas, ao contrário do que pregava McLuhan, o meio mais 'quente' pressupõe maior participação. Pelo menos na hipótese do processo eletrônico, ele permitirá uma maior participação das partes e advogados. O processo eletrônico tende a ser mais participativo e interativo.

Essa maior participação e interatividade acaba tendo reflexos profundos também na fundamentação dos julgados.

Os fundamentos são, sim, condicionados também pelo ‘meio’, pela mídia em que são expressos e veiculados. Se não temos 'meios' de provar ou demonstrar os fundamentos, eles acabam ficando no vazio. Os fundamentos são indissociáveis dos meios. O 'meio é a mensagem', o meio é uma extensão do ser humano, já dizia McLuhan.

Essa extensão do ser humano não é neutra. Ela acaba condicionando e modificando a forma de estar no mundo e de pensar do ser humano.

Os ‘meios’ de transportes – que também são extensões do homem – mudaram o mundo. O homem que se deslocava apenas com os pés é muito diferente do homem que pode usar o avião.

Os fundamentos não são idéias puras, essências. São conexões, são ligações entre fatos, coisas e pensamentos. Ligações são meios.

Os fundamentos da cultura do papel, da escrita, da galáxia de Gutemberg (McLuhan) são diferentes dos fundamentos da era eletrônica, da cultura oral, performática e conectada.

Os juristas perdemos muito tempo com a tentativa de desenvolver um teoria da argumentação jurídica, similar à lógica formal, uma lógica claudicante.

Como nos ensinou Perelman, que, além de jurista, era lógico-matemático, com doutorado sobre o matemático Frege, na lógica jurídica o decisivo é a determinação das premissas – o fato e a norma a ser aplicada. O silogismo jurídico, a partir da determinação das premissas é extremamente simples.

Precisamos desenvolver uma nova teoria da argumentação jurídica, mas de outra ordem, levando em consideração, não a abstração da lógica formal, mas a concretude do ‘meio’, da mídia em que a argumentação é apresentada e desenvolvida.

Abstrair a argumentação do meio é o primeiro passo para tornar tudo teórico e artificial. O filósofo do pergaminho é muito diferente do filósofo em rede.

O processo eletrônico vai desencadear uma revolução performática no processo judicial. Quanto mais cedo os juristas atentarem para isso, mais cedo poderão contribuir para que essa revolução se dirija para o caminho certo. Do contrário, se continuarem a achar que o computador é apenas uma máquina de escrever com mais recursos, o processo eletrônico será reduzido a mero processo escaneado e, com isso, perderemos a oportunidade histórica de dar um choque - tão prometido, quanto diferido – de efetividade ao processo judicial.


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[1] Presidente da Rede Latino-americana de Juízes – www.REDLAJ.com, Doutor em Direitos Fundamentais e Juiz do Trabalho Titular da 21ª Vara de Belo Horizonte. É Coordenador do grupo de pesquisa GEDEL, da Escola Judicial do TRT-MG, sobre justiça e direitos Eletrônicos.

4 comentários:

JOSE MARIA disse...

Excelente, Pepe.
Repercuti no Blog do Alencar.
Abraços do

Alencar

zahlouth disse...

Amigo, como sempre brilhante.
Já coloquei em meu blog.

Sergio disse...

Prezado Pepe,
Genial.
Ontem escrevi um artgo para a revista do Cumbre Judicial falando sobre o FILDELIS, que sera traduzido para o espahol. Ofereci para o Conselho de Justica da Espanha. Estou em Madri, para ver a Heulga General. Espero voce em Espanha. Sera uma honra ser seu aluno. Fraternalmente, sergio

Profª Lorena M R Colnago disse...

Professor Pepe
Adorei a idéia. Fantástica!
A adoção dessa nova perspectiva de fato economiza tempo e futuras argumentações que tentam distorcer a valoração realizada pelo magistrado.
Será uma sentença mais fidedigna.
Abraços

Lorena