Além da cooperação internacional, no Brasil a cooperação interna deve ser mais  explorada, a partir de mecanismos simples e sem qualquer custo, como a função de  magistrado de enlace ou o atlas judiciário. A perspectiva da cooperação fundada  em mecanismos informais entre juízes e tribunais, além de imprimir maior  celeridade e eficácia aos atos que devam ser praticados fora da competência  territorial ou material do juiz, permite que o Judiciário se descole do modelo  conflituoso para lidar com a sobreposição de competências. 
 
Fala-se,  agora, muito em cooperação judicial, que é um conceito de história recente na  doutrina brasileira. Tradicionalmente temos duas formas básicas de cooperação  judicial, uma interna (ou judiciária), representada principalmente pela carta  precatória e outra externa (ou interjurisdicional), por meio da carta rogatória.  São mecanismos antigos, do tempo em que as demandas eram essencialmente  locais.
 
Hoje o capital é nômade, a empresa é desterritorializada e as  relações humanas e jurídicas são potencializadas eletronicamente. O espaço ganha  a quarta dimensão: o plano virtual. Esse universo das novas tecnologias da  informação e comunicação não tem fronteiras territoriais, nacionais, e nem o  processo eletrônico (Lei 11.419/2006) consegue mais separar o que está nos autos  eletrônico do mundo virtual.
 
A complexidade desse emaranhado de vida,  cultura, ‘desterritório’ e q-bits tende a congestionar e a paralisar os sistemas  jurídicos, que não foram dimensionados para suportar o alto grau de interação  social imposto pela transnacionalização e pelo data space. Os próprios vocábulos  – precatória e rogatória – dão bem a idéia da obsolescência dos mecanismos  tradicionais de cooperação judicial.
 
A cooperação judicial tem um amplo  campo de aplicação nas questões que envolvem as sobreposições de competências.  Hoje, pela teoria processual, principalmente no plano interno, esse sistema é  concebido de uma forma muito litigiosa, como indica o próprio nome do instituto:  ‘conflito’ de competência.
 
O ideal é que troquemos o conflito pela  cooperação. Melhor que o confronto é a colaboração entre juízes. Geralmente,  quando se suscita um conflito positivo de competência é porque ambos os juízes  têm funções jurisdicionais a serem cumpridas, e que podem ser perfeitamente  compatibilizadas, desde que o ordenamento tenha institutos adequados a esse tipo  de atuação cooperada. Confrontar órgãos judiciais é pura perda de tempo,  dinheiro público e energia forense. Confluir competências, por meio de  cooperação, vai tornar o processo mais rápido, barato e  eficaz.
 
Cooperação judicial é a palavra de ordem na Europa hoje. A União  Européia é um sistema jurídico extremamente complexo, que imbrica várias ordens  de sistemas: quase 3 dezenas de tribunais supremos, que geralmente cuidam dos  sistemas legais, outro tanto de tribunais constitucionais e o Tribunal de  Justiça Europeu, esse último, tratando do Direito Comunitário.
 
Além  disso, temos ainda o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que aplica o Direito  Internacional, propriamente dito, relativo a Direitos Humanos e Fundamentais, e  que a cada dia vai ganhando importância e interferindo indiretamente, mas de  forma concreta, nas decisões das cortes nacionais.
 
Tudo isso se torna  ainda mais complexo, quando pensarmos na profusão de leis nacionais,  comunitárias, internacionais, convênios e contratos trasnacionais que, não  bastasse, são aplicados a partir de dois sistemas muito diferentes de  ordenamento: o common law e o romano-germânico, e isso sem falar em mais de duas  dezenas de línguas e centenas de culturas distintas. 
 
É inviável,  politicamente, pensar na Europa em unificação desses sistemas. Por isso só mesmo  a cooperação para dar conta dessa complexidade toda, que nos obriga mesmo a  trocar a pirâmide kelseniana, pela nova ciência das redes.
 
No Brasil  afora a própria regulação regional do MERCOSUL, e a integração idealizada pela  UNASUL, há, também, uma nova perspectiva muito interessante para a cooperação  judiciária ou interna. A grande maioria dos países europeus não é federal, daí  que lá a idéia de cooperação é, sobretudo, internacional. Mas no Brasil, além de  suas dimensões continentais, temos uma Federação, com quase 3 dezenas de  Judiciários estaduais, além de cinco ramos da Justiça (federal, estadual,  trabalhista, eleitoral e militar) que são segmentados e com pouca interação  entre si.  Temos no Brasil hoje quase cem tribunais-ilhas.
 
Os que  militam no foro sabem bem do calvário que é cumprir um ato judicial em outro  Estado da Federação, mesmo que no mesmo ramo do Judiciário. E quando se envolve  o entrelaçamento de competências materiais e não apenas territoriais, aí que a  coisa se embaralha mais ainda, com o confronto entre os órgãos  jurisdicionais.
 
O Conselho Nacional de Justiça já tem atuado na  perspectiva da cooperação judicial, mas ainda de forma fragmentada. É importante  que o CNJ trate a questão de maneira mais sistematizada, disciplinando, por  exemplo, dois mecanismos muito simples, que estão perfeitamente inseridos em seu  poder regulamentar, previsto expressamente no §4º, inciso I do artigo 103-B da  Constituição : (i) o magistrado de enlace e (ii) o atlas judiciário. O  magistrado de enlace pode atuar regional ou interestadualmente, ou ainda  catalizando a cooperação entre ramos judiciários distintos.   
 
Áreas de  Cooperação. Pode-se pensar em cooperação judicial para todas as áreas, e mais,  especialmente, em 3 matérias: Direito Penal, Direito da propriedade imaterial e  Direito do Trabalho.
 
Na seara criminal, os crimes de lavagem de  dinheiro, narcotráfico e atentados contras os sistemas financeiros desafiam,  cada vez mais, uma coordenação internacional para serem reprimidos. Em relação à  propriedade imaterial – inclusive quanto ao uso social dessa propriedade – os  Judiciários nacionais, isoladamente, perdem muito sua efetividade.
      
Já o Direito do Trabalho é o ramo mais sensível à globalização, pois a  mobilidade do capital e irradiação da empresa minam a capacidade de tutela aos  trabalhadores pelo Estado e pelo Judiciário. Mecanismos adequados de cooperação  judicial podem viabilizar uma rede interjurisdicional de proteção e efetividade  dos direitos sociais.  
 
O Judiciário brasileiro está apenas despertando  para essa perspectiva, que é a proposta central da Rede Latino-americana de  Juízes – www.REDLAJ.com, e sempre é o pano de fundo de seus congressos, como o  que agora vai se realizar em Fortaleza, entre os dias 23 e 26 de novembro de  2009. Os anteriores tiveram lugar em Barcelona e Santiago do  Chile.
 
 Além do desenvolvimento científico do conceito de cooperação  judicial, judiciária ou interjurisdicional, é importante ainda promover a  aproximação pessoal entre juízes europeus e latino-americanos, pois a cooperação  envolve também, em boa medida, o relacionamento fluído entre os vários órgãos  judiciários, pois ela é visceralmente voluntária e consensual, fundada em  mecanismos informais e eletrônicos. Os demais operadores do processo, tais como  advogados, ministério público, defensores públicos, ONGs, empresas e sindicatos também  precisam se integrar na cooperação. Sem esses atores ela não  funciona.
 
Se os mecanismos judiciários tradicionais de composição dos  conflitos já eram inadequados e ultrapassados quando o direito era sedentário, o  que dizer, então, agora, com a economia movente, cognitiva e global, com a  imbricação virtual dos territórios, a superinteração das redes sociais, a  judicialização da política e com hiperemergência das inovações  tecnológicas?
 
Mudar o paradigma não é apenas um clichê. O sistema  precisa urgentemente não de um simples patch ou update, mas de um upgrade.
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2 comentários:
Realmente as transformações parecem letárgicas! Muito há no que mexer!
Os séculos passam, mas parece quem em muitos casos, estacionamos em conceitos falidos...
Gostei muito do texto!!
Parabéns
Bea
Ótima leitura. Parabéns pelo blog. Não resisti e já estou seguindo.
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