sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A REFORMA TRABALHISTA ATINGE OS CONTRATOS DE TRABALHO E PROCESSOS EM CURSO?

José Eduardo de Resende Chaves Júnior[1]
Texto atualizado de acordo com a MP 808/2017

No dia 10 de novembro terminou a vacatio legis de 120 dias da lei da reforma trabalhista. Nos termos do art. 8° da Lei Complementar n. 95/1998, com a redação dada pela Lei Complementar n. 107/2001, a vigência da lei começa no dia seguinte, 11 de novembro, um sábado.

Pensando por ora, para efeitos didáticos, apenas em relação aos novos contratos de trabalho, do ponto de vista do Direito Material do Trabalho, muito embora não seja usual, nada impede que uma relação de emprego tenha inicio no sábado, pois o vínculo jurídico empregatício se aperfeiçoa justamente no dia de inicio da prestação de serviço e não em eventual data estipulada em preceito contratual formal.

Do ponto de vista processual há uma pequeno problema a ser superado, pois a reforma alterou o art. 775 da CLT, para que os prazos processuais fluam apenas em dias úteis, o que, na prática, postergaria o inicio da vigência da Lei 13.467/2017 para a segunda-feira seguinte, dia 13 de novembro.

O processo eletrônico - PJe, todavia, 100% implantado na Justiça do Trabalho, permite a prática de atos, até mesmo a propositura da petição inicial, aos sábados, o que torna também no Direito Processual do Trabalho vigente a reforma trabalhista no dia 11 de novembro em relação aos atos processuais que não desafiarem contagem de prazo.

DIREITO INTERTEMPORAL PROCESSUAL DO TRABALHO. Do ponto de vista do Processo do Trabalho, na CLT há um preceito de Direito Intertemporal expresso, previsto no art. 915, que institui uma espécie de norma mais favorável ao recorrente. É importante, assinalar, que o dispositivo em referência é expresso em aplicar-se apenas aos recursos já interpostos ou àqueles cujos prazos estejam em curso, ou seja, somente em relação aos processos em que já exista decisão proferida. Se o decisão não foi ainda proferida, não se configurou tampouco o direito a recorrer. Nesse caso, é de se aplicar a lei nova.

CPC DE 2015 E A INTERTEMPORALIDADE NO PROCESSO. Na hipótese da intertemporalidade processual, não se pode deixar de observar, nos termos do art. 15 do CPC c/c art, 769 da CLT, o Código de Processo Civil de 2015, que tem uma minuciosa regulação do tema, isso até mesmo porque a MP 808 de 14 de novembro de 2017 não tratou da questão sobre o prisma do do processo do trabalho.

As teorias clássicas da intertemporalidade processual podem ser resumidas em 3 vertentes: (i) Teoria da Unidade do Processo; (ii) Teoria da Autonomia das Fases (postulatória, instrutória, decisória, recursal e executória) e (iii) Teoria dos Atos Isolados.

O CPC de 2015 parece indicar a adoção, em seu art. 14, de uma forma geral, da teoria dos atos isolados, de aplicação imediata aos processos em curso, sem retroação, preservando a lei da data da prática dos atos. Todavia, o próprio CPC já mitiga tal teoria, ao distinguir entre  ‘atos praticados’ e  'situações jurídicas consolidadas', que é uma clara indicação de que a teoria dos atos isolados pode e deve ser combinada com a teoria da autonomia das fases processuais.  Isso significa que a lei que rege o ato processual, em geral, é a lei em vigor no momento de sua prática, ressalvados: (i) o ato já praticado e (ii) o ato não praticado, mas que envolva situação jurídica consolidada.


O Processo do Trabalho, ainda em seu rito ordinário, que também é regido pela oralidade,  compatibiliza-se muito mais com o antigo rito sumário do CPC de 73  do que com o rito ordinário, razão pela qual tem perfeita aplicação o § 1o do Artigo 1.046 do CPC, c/c Art. 769 da CLT, que induz a incidência da lei processual trabalhista vigente antes da reforma trabalhista, mesmo para os casos em que a prolação de sentença se dê após a vigência da nova lei.

Especialmente em relação aos honorários advocatícios e quanto aos demais requisitos da petição inicial, em face da autonomia da fase postulatória, quer nos parecer evidente que em relação à petição inicial deve prevalecer a lei da vigente à época em que foi proposta a reclamação trabalhista, pois, diferente do processo civil - que inspira a atual orientação do STJ sobre intertemporalidade processual - a sucumbência recíproca era um instituto inexistente no processo do trabalho. Nem se trata tecnicamente do princípio da não surpresa, pois, fosse assim, bastaria ao juiz ensejar oportunidade às partes para se manifestarem sobre a sucumbência recíproca para legitimar aplicação da nova legislação. Trata-se, sim, de imprimir eficácia retroativa a situação processual postulatória já consolidada, o que, como se viu, está expressamente vedado pelo art. 14 do CPC de 2015.

A OJ n. 421 da Colendo SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, no que toca aos honorários advocatícios, não obstante o impacto da Emenda Constitucional n. 45/2004, que afetou e alterou de imediato os processos em curso, caminhou no sentido de valorizar a autonomia da fase postulatória.

Há outros exemplos de mitigação da teoria dos atos isolados, como por exemplo, o art. 1047 do CPC, que opta pela lei vigente à época em que a prova foi requerida ou determinada ex officio pelo juiz, não pela data da produção da respectiva prova.

Por outro, o TST já acenou até mesmo com a adoção de uma teoria mais radical, a da unidade do processo, por ocasião da promulgação da Lei 9957/2000, ocasião em que se alterou a parte processual da CLT, oportunidade em que tal teoria foi adotada pela jurisprudência da mais Alta Corte Trabalhista, vazada na OJ 260 da SDBI-1, que somente admitiu a aplicação do rito sumaríssimo aos processos iniciados após a vigência da nova lei.


DIREITO INTERTEMPORAL DO TRABALHO.  No que concerne à intertemporalidade da lei material trabalhista, creio que é importante destacar três faróis constitucionais, que devem iluminar qualquer interpretação da matéria: os artigos  (i)5°,  XXXVI e  Art. 7º, (ii)caput e (iii)inciso VI.

A Constituição da República adota a teoria de Francesco Gabba, que impõe o respeito da lei nova ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa coisa julgada.  Muito se debate sobre a incompatibilidade jurídica do conceito de direito adquirido ao contrato de trabalho, por se tratar de contrato sujeito a trato sucessivo. Sem adentrar nesse debate, é importante reconhecer que a aplicação da teoria subjetiva de Gabba no contrato de trabalho está dogmática e expressamente prevista na própria CLT, em vários dispositivos, sobretudo em seu art. 10. 

Prevaleceu, portanto, na lei a visão de que em se tratando de contrato de trabalho,  a pactuação inicial é que é o marco que deve referenciar futuras alterações do contrato e não a livre dispositividade negocial no termpo, como, aliás, está claro no art. 468 da CLT, salvo a negociação que envolva normas mais favoráveis ao empregado.

A Constituição consagra também, especificamente quanto às relações de trabalho, mais duas normas fundamentais de intertemporalidade: o princípio da progressividade e o princípio da irredutibilidade do salário.

O princípio da progressividade é um preceito que informa tanto o conflito de normas autônomas, como também de normas heterônomas, ou seja, é dirigido tanto aos atores sociais, aos contratantes individuais, como também ao legislador.

Da mesma forma, o princípio da irredutibilidade salarial direciona-se aos contratantes e ao legislador heterônomo.  Ele é mitigado em relação à autonomia privada coletiva, mas evidentemente, a não observância a tal princípio no âmbito da negociação sindical não é absoluta, pois está, naturalmente, sujeita a hipóteses objetivas, tais como método de recuperação de empresa, para preservação de empregos.

INTERTEMPORALIDADE NA CLT. No plano infraconstitucional, a norma referência da intertemporalidade da CLT é o art. 912, que impõe a aplicação imediata da norma consolidada aos contratos de trabalho em curso. Sem dúvida, a reforma irá apanhar os contratos em curso.

Leitura atenta do art. 912, contudo, permite ver que o efeito imediato nas relações em curso não é indiscriminado, pois se restringe às normas de caráter imperativo. O decisivo, pois, passa a se saber o que se deve entender por norma de caráter imperativo.

A resposta a essa questão está na própria CLT, em seu art. 444, que consagra o caráter contratual e de livre dispositividade das normas trabalhistas, excetuando "tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes".

Nesse passo, deflui do art. 444 da CLT, que as normas de caráter imperativo na CLT são aquelas que induzem proteção ao empregado, quer seja no plano da coação econômica, quer no plano da saúde e segurança do trabalho.

Essa interpretação parece inexóravel, não só diante dos preceitos constitucionais de intertemporalidade da lei, em geral e, em especial, sobre as relações de trabalho, como também da positividade da própria CLT, que possui uma norma, um pouco esquecida, quase em branco, mas que, nos termos do art. 2° da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro, ainda continua em vigor, pois o desuetudo não é causa de revogação da lei. Trata-se do art. 919 da CLT.

O mencionado dispositivo legal foi além da própria teoria do direito adquirido, explicitando que o efeito imediato das normas imperativas não poderiam afetar para pior o estatuto jurídico dos empregados cujos contratos de trabalho estivessem em curso. Na oportunidade, assegurou-se aos bancários o direito à estabilidade bienal, prevista no Decreto 24.615/1934, ainda que não tivessem completado o biênio na data de promulgação da CLT. Em outras palavras, o que se conclui é que a CLT protege mais do que o direito adquirido do trabalhador, tutela até mesmo o seu o status jurídico.

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do TST, cristalizada na Súmula 191, que somente autoriza a redução da base de cálculo do adicional de periculosidade para os novos contratos de trabalho.

A regra de intertemporalidade contida na Medida Provisória 808/2017 não altera substancialmente as conclusões aqui expostas, por duas razões:  (i) permanecem incólumes os artigos 912, 444 e 919, bem assim as normas constitucionais sobre intertemporalidade  e  (ii)  a regra de intertemporalidade da reforma trabalhista, prevista no art. 2° da mencionada MP, só apareceu 4 dias depois do fim da 'vacatio legis', o que tem consequências evidentes nas inflexões intertemporais, já que a MP 808/2017 não pode retroagir. Os 4 dias são mais do que suficientes para consolidar a regra de intertemporalidade vigente na época do inicio da vigência da lei 13.467/17.

Esses breves apontamentos de Direito Intertemporal do Trabalho desafiam ainda desdobramentos e nuances, mas, em apertada síntese, retratam a complexidade do debate que envolve a matéria do ponto de vista da estrita técnica jurídica.





[1] José Eduardo de Resende Chaves Júnior é doutor em Direitos Fundamentais e Professor Adjunto dos Cursos de Pós-graduação do IEC-PUCMINAS. Desembargador Presidente da 1ª Turma do TRT-MG.

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